terça-feira, 19 de dezembro de 2017

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

As Crônicas do Feriado: O Morcego, O Gambá e o Pennywise


Gente, fala sério! Não existe um filme de palhaço que ele seja do bem.  Não me lembro de ter assistido nenhum. Coisa medonha!
Eu gostava do Bozo quando criança, mas ele também era assustador.
Fui assistir It- a coisa outro dia.
Fã das obras de Stephen King de carteirinha queria conferir a adaptação para o cinema, apesar de não gostar de filmes de terror que contenham crianças, idosos e animais. Sei lá, acho injustiça. Crianças, idosos e animas são sempre bonzinhos né? Não, eu não moro nas terras de algodão doce, cercada por um mar de chocolate onde unicórnios cor de rosa correm livres pelos campos de quindim. Eu sei que muitas realidades são outras e tudo mais. Que nem todo mundo é bonzinho, que tem gente que surge na sua vida e você se pergunta: “Se ele está aqui, me atormentando a vida, quem será que ficou tomando conta do inferno?”


Então, em uma tarde de domingo ensolarada, estava eu na
fila do cinema para assistir It, na companhia de uma amiga que lê as legendas em voz alta (descobri isso lá dentro, na hora que começou o filme). Pode isso? Acabou com o terror, com o suspense. Se pelo menos ela mudasse a voz, uma para cada personagem, mas não, era a mesma pra todos. Se bem que se ela tivesse mudado a voz eu ia começar a achar que ela estava possuída, que já era casa para um exorcismo. Pensando bem não ia ser legal. Deixemos a dublagem de lado.

Criançada do bem lutando contra o palhaço do mal, o que seria o resumo bem resumido da história. Um palhaço assustador de fato, que sabia onde morava todo mundo e o que eles haviam feito em todos os verões passados. Conhecia tudo sobre seus medos e anseios e se alimentava disso. Nem Papai Noel tinha tantas informações em relação às crianças como o palhaço Pennywise, embora ambos fossem bem estarrecedores.
Algo que verdadeiramente me surpreende nos filmes de terror é a coragem das personagens misturadas a uma falta de noção incrível. Tipo são três da manhã e a pessoa houve um barulho sinistro do lado de fora e ela sai de casa com uma lanterna pra saber o que está acontecendo e ainda deixa a porta aberta. Outra cena manjada é a do espelho no armário do banheiro. A pessoa se olha, ajeita os cabelos, abre o armário, pega a pasta de dente, quando fecha e olha no espelho de novo já tem um morto vivo atrás dela. Ouvem uma voz vinda diretamente do ralo da pia do banheiro e pergunta “quem tá aí?”
É um filme de terror! Ninguém avisou isso pra eles não?
Alguns dias depois a mesma amiga que foi comigo ao cinema me convidou para fazer uma aula experimental de teatro, em um feriado desses, depois de uma noite e madrugada gelada de seis graus no sul do país, como se ainda fosse inverno, em um sítio afastado, no meio do mato. Um lugar de retiro.
Eu fui. Ainda que a contragosto e com cólicas para retribuir a companhia do cinema.
Uma vontade louca de ainda estar na minha cama inundava o meu ser.
Chegando lá nos pediram para deitar no chão, de barriga pra cima e descalços. Em seguida que fechássemos os olhos. A parte seguinte começou a ficar esquisita. O dirigente disse que havia um palhaço no interior de cada um de nós e que precisávamos nos libertar da culpa, dos ressentimentos, das iras do passado e liberar perdão.
Conforme ele ia falando sobre os acontecimentos que causam trauma na vida dos seres humanos, as pessoas começaram a chorar baixinho e de repente, do nada, ele surge com a seguinte frase: “Vem palhaço!”.
Abri os olhos.
Olhei para a minha amiga do meu lado e ela parecia morta. Não mexia um músculo. Olhei para o outro lado e vi muitas pessoas em posição fetal às lágrimas e depois dando gargalhadas ao comando do dirigente.
Mais uma vez a frase “vem palhaço” inundou o ambiente.
Olhei para o teto. Pensei em uma decoração legal pra fazer na minha sala.
Fechei os olhos novamente. Respirei fundo.
“O que eu estou fazendo aqui? Não consigo esboçar nenhuma emoção e que palhaço é esse, gente que tem que vir?”
“Vem palhaço!”
Minha amiga continuava morta ao meu lado.
“Vem palhaço!”
Até que esse momento estranho de cura interior circense se deu por encerrado e rapidamente levantei. Todos levantaram. Menos a minha amiga.
Encostei levemente o meu pé em sua perna cutucando-a, em seguida a chamei pelo nome. Ela abriu os olhos e falou quase que sussurrando – “Não consigo me mexer, minha coluna travou.”
Só me faltava essa! Ter que chamar a defesa civil ou o corpo de bombeiros, pra tirar ela do chão. Quem tentava se aproximar pra ajudar era recebido aos berros: ”Não encosta em mim!”. Até que uma gentil senhora, bem idosa, se aproximou dela e foi levantando-a bem devagar.
“Vem palhaço!”
A aula experimental durou o dia inteiro. Minha amiga parecia um robô em curto circuito e em algumas vezes um cowboy cagado.
Saímos de lá por volta das oito da noite, para esperar um ônibus na estrada escura, sem iluminação, enquanto apreciávamos um gambá obeso, passeando pelos fios de eletricidade sendo rodeado por um morcego criado a Toddy.  Super bem nutridos. Animais do campo.
As intenções do morcego não me pareciam boas. Não era uma escolta do bem. O gambá gorducho continuava o seu caminho pelos fios em direção à mata, fingindo tranquilidade, arrependido de ter saído sozinho naquele dia. Sempre assim, na hora que a gente mais precisa, não passa um filho de Deus para nos socorrer, para nos dar uma carona, para nos livrar do morcego de itu.
Nunca fiquei tanto tempo em um ponto de ônibus. Já estava surtando.
Quando o ônibus chegou, minha amiga ainda com o palhaço dentro dela olhou para o motorista e disse com voz de neném: “Estou tão feliz em ver o senhor!” Ele a olhou seriamente e disse: “Eu não estou feliz em lhe ver, é feriado, não queria estar trabalhando”. Com o coração partido ela passou pela roleta e procurou um lugar para sentar enquanto eu a seguia rindo por dentro.
Talvez o motorista precisasse relaxar se libertar desse rancor de feriado. Tirar os sapatos, deitar no chão, fechar os olhos para que alguém fizesse pra ele o “Vem palhaço!”.
No final das contas, acho que não tenho esse palhaço dentro de mim. Se eu tinha, ele foi embora de bueiro a baixo quando o circo deixou a minha cidade interior.
Meus amigos me colocam em cada situação, que vou te contar hein! (outro dia)
Cris M C Ramos


Por uma semana mais leve...