segunda-feira, 17 de setembro de 2018

From USA - Um causo Tupiniquim


As histórias quase nunca acontecem com a gente... Então vamos lá! Essa aconteceu com uma amiga de uma amiga minha que dizia que cursinho de inglês, nem pensar! Não tenho mais paciência para estar em uma sala de aula. Inglês bom mesmo a gente aprende lá, na convivência, na prática, no dia a dia, na linguagem de sinais até que se solte o verbo falado e escrito.

Morando em Nova York, a pouco mais de três meses com a família, Cacilda Carolayne começou a ter uns probleminhas hormonais com as mudanças de clima, de alimentação, de tudo. Estava se sentindo um tanto quando estressada também. O número de vezes que insinuava que o marido não prestava para nada, estava crescendo e sabia que tinha que encontrar um equilíbrio nisso tudo. Já era o terceiro emprego que ele havia perdido por não ter se adaptado as funções que lhe foram atribuídas.

No fundo Cacilda Carolayne sabia que ela e o marido estavam de certa forma sob pressão com todas as mudanças. Momentos a sóis com ele estavam cada vez mais raros em função de ter que dividir a casa com mais uma família de brasileiros e esperaram ansiosos pelo quatro de julho, onde todos sairiam para a tal parada americana em comemoração pela independência. Inventaram uma desculpa para não irem e liberaram os filhos para esse evento.

Franciscley, seu marido, preocupado com o bem estar da esposa,
foi até uma farmácia para comprar lubrificante. Resolveu ir sozinho, contrariando todos os conselhos dados pelos imigrantes que já moravam ali a muito mais tempo. Temeu pedir ajuda e cair no constrangimento de expor Cacilda Carolayne e ver a esposa mais uma vez mal humorada. Tudo, ultimamente, parecia que era culpa dele, inclusive a
entrada de um esquilo pela janela para roubar uma peça do vestuário da esposa. Agora tinha que conviver com a imagem da blusa dela no alto de uma árvore, balançando ao vento, com a metade entocada em um buraco.


No dia tão aguardado, pela manhã bem cedo, destemido e implacável, Franciscley caminhou três quarteirões até que avistou de longe uma Drugstore. Não sabia bem o que era isso, mas identificou como uma farmácia logo que viu as prateleiras repletas de todos os tipos de medicamentos. Ficou horas dentro da loja, procurando por alguma palavra que conseguisse identificar no rótulo como lubrificante até que se deu por vencido procurando um atendente. Posicionou-se na frente do rapaz e começou a fazer a sua linguagem de sinais pessoais para se fazer entender. Tinha dado certo a dois dias atrás ao irem comprar peito de frango.  Ele começou a bater do peito e a sacudir os braços. Rapidamente foi compreendido. A esposa garantiu que sempre funcionava. Era só manter o contato visual e mandar ver no restante.
Depois de muito custo, de braços e mãos para lá e para cá, o atendente achando que havia entendido a necessidade do cliente, veio com uma caixa contendo uma pomada.

Feliz da vida, Francisclay deixou o estabelecimento e voltou para casa, eufórico.
Para sua maior satisfação todos já tinham ido, ficando apenas ele e a esposa.

Correu para o banheiro, usou a pomada e agora era só aguardar. Deitou ao lado da esposa para os preliminares. De tempos em tempos olhava para o Francisclay Junior e percebeu que ainda dormia. Voltou para os preliminares... E nada, Junior parecia nocauteado.

Passadas duas horas de preliminares, Cacilda Carolayne, aborrecida resolveu ir tomar um banho, deixando o coitado do marido perdido em pensamentos sem saber o que poderia ter acontecido. Junior não demonstrava nenhum sinal de vida.

Lembrou-se da pomada e ainda com esperanças foi procurar no Google informações sobre o que comprara. Arrasado leu em letras garrafais: ANESTÉSICO.

Vestiu as roupas rapidamente e convidou a esposa para dar umas voltas pela cidade, para ver se ela esquecia o ocorrido. Amanhã era outro dia, o sogro estava vindo do Brasil para visitar-lhes. Logo Cacilda Carolayne estaria de bom humor outra vez.

A mulher saiu do banheiro, ainda furiosa e pegou o telefone para dar as últimas recomendações ao pai antes da viagem:
- Pai, o voo vai fazer uma escala. Não desça da aeronave. O senhor só vai descer quando ele parar pela segunda vez. Tenha uma boa viagem.
Dizendo isso, ela desligou o telefone e aceitou o convite do marido para a tal voltinha.

Dentro do avião, o sogro de Francisclay, Etevaldo, acomodava-se em um dos acentos, assustado com a sua primeira experiência aérea. Sentou-se e ficou ali bem quietinho aguardando a segunda parada. Não levantou-se nem para usar o banheiro. Resolveu que iria se segurar até o final da viagem.

Algumas mudanças no plano de voo, por causa da lotação,  fizeram com que o avião fosse  direto para Nova York, sem escalas.

Os passageiros começaram a desembarcar e o senhor Etevaldo continuava ali, em obediência as instruções da filha.

Por fim, não restava mais ninguém e uma comissária de bordo foi falar com ele, em inglês. Sem entender nada com nada e muito menos saber sobre os jestinhos, Etevaldo continuava assustado olhando para os integrantes da tripulação que se revessavam na tentativa de se comunicar com ele fazendo-o sair da aeronave, já que haviam chegado ao destino final. Por ironia do destino, ninguém falava português e o coitado do Etevaldo já estava suando em bicas, arrependido de ter embarcado nessa aventura que a filha o convencera de que seria fácil e tranquila.

Acreditando que o pobre idoso sofria de problemas mentais, chegaram com uma cadeira de rodas e com a ajuda de dois seguranças o pegaram no colo e o acomodaram, em seguida o empurrando até o setor de chegadas.
Cacilda Carolyne ao ver o pai chegando em uma cadeira de rodas, saiu a gritar pelo aeroporto, histérica por não saber do acidente do qual o pai sofrera, deixando-o paraplégico.

Por fim, desmaiou nos braços de Franciscley antes de saber o que de fato havia ocorrido.

O pai vendo o total alvoroço levantou-se da cadeira de rodas e correu ao encontro deles.

Nunca, ninguém no aeroporto havia presenciado tamanho milagre.

E foi assim que toda a família e parentada de Cacilda Carolayne se matriculou no cursinho de inglês.

Enquanto a oportunidade de por em prática tudo o que estão aprendendo não chega, se preparam para mais um aniversário do Guanabara, onde se ouve todos os dialetos e idiomas conhecidos e desconhecidos em território nacional.

Cris M. C. Ramos