-
A vida começa bem aqui, nesses trilhos, bem no comecinho e vai até onde você
conseguir chegar com essas suas pernas fininhas. Quando você quiser tentar
novos caminhos é só desembarcar e entrar em outro trem. Mas, fique certo de uma
coisa - Não importa quão longe você vá, nós sempre estaremos dormindo sob o
mesmo céu. Isso ajuda muito quando precisar voltar para onde está o seu
coração.
Cecille
tinha razão, eu estava voltando para o Condado, depois de tanto tempo longe. As
minhas pernas fininhas levaram-me até o outro lado do oceano e eu virei um
doutor engravatado, em ternos caros e meus cabelos... Ah, os meus cabelos! Ainda consigo ouvir a sua voz dizendo:
-
Venha Gil, vamos beber daquela fonte. Nós ficaremos jovens para sempre, você
sabia?
Nós
mergulhamos naquela fonte para não envelhecer jamais. Hoje ao olhar-me no
espelho e ver os meus primeiros fios de cabelos brancos, eu senti raiva de
Ceci. Eu senti saudades de Ceci e de me deixar levar pelos seus devaneios. Ainda
lembro sorrindo de nosso passeio em uma traineira. Já era tarde, o sol começava
a se pôr no horizonte. Precisávamos voltar ao cais. Cecille fez birra
recusando-se a ir embora sem ver o sol entrar na água, pois seria como os meus
comprimidos para o estômago – Efervescendo e criando bolhas para todos os
lados. Não havia nada que ela me pedisse que eu não faria.
-
Venha ver o pôr do sol, Gilbert!
A
vida estava me trazendo de volta para essa atmosfera repleta de criatividade e
imaginação de minha doce Cecille. Ansiava para ver a mulher linda que ela deveria
ter se tornado.
Como a minha mãe sempre dizia eu havia nascido velho. Eu e a responsabilidade andávamos lado a lado, amadureci cedo demais. Então quando Cecille foi morar ao lado da nossa casa, parecia ter sido a chance que eu precisava para recuperar uma infância que tinha perdido.
Como a minha mãe sempre dizia eu havia nascido velho. Eu e a responsabilidade andávamos lado a lado, amadureci cedo demais. Então quando Cecille foi morar ao lado da nossa casa, parecia ter sido a chance que eu precisava para recuperar uma infância que tinha perdido.
Tudo
no Condado parecia ser o mesmo. Até o velho casarão com suas paredes gastas,
tinha resistido ao tempo, assim como eu.
Um
silêncio profundo inundava a velha casa que outrora havia sido palco de grandes
festas da alta sociedade. Nem de longe lembrava os tempos áureos com pessoas
bem vestidas, comida farta, bebidas caras.
A
minha total nostalgia foi quebrada pelo som de uma voz vinda da porta
principal, um som como o de quinze mil estrelas, fazendo o meu coração quase
parar.
-
Venha ver o pôr do sol, Gil! Ele ainda se deita no horizonte sobre o mar e as
vezes atrás das montanhas. Se quiser ficar, prometo estar contigo a cada
amanhecer...
-
A cada nascer de um novo dia.
-
Não acredito que você está aqui Gilbert!
-
Seu amor me chamou Cecille, então eu regressei para o lugar onde mora o meu
coração, exatamente do jeito que você falou um dia que seria. Saber que
dormíamos sob o mesmo céu, fez a distância ficar pequenina e me fez ver que o
caminho de volta permanecia lá, esperando para ser lembrado.
-
O coração tem dessas coisas Gil. Ele escolhe tudo o que vai guardar para um dia
ser recordado. É como um farol.
Cecille
esticou um dos braços na minha direção, oferecendo-me sua mão e com um enorme
sorriso, desses que fazem a noite virar dia, que florescem os caminhos, disse:
-
Venha! Vamos ver o pôr do sol.
E
eu fui, sem saber que era só o começo da história mais surpreendente que eu
viveria e que no final, ainda que eu contasse, somente eu, acreditaria – o sobrenatural
do amor.
Cris M C Ramos
Trecho do livro "Um remendo para alma"