terça-feira, 3 de março de 2020

Venha ver o pôr do sol...


- A vida começa bem aqui, nesses trilhos, bem no comecinho e vai até onde você conseguir chegar com essas suas pernas fininhas. Quando você quiser tentar novos caminhos é só desembarcar e entrar em outro trem. Mas, fique certo de uma coisa - Não importa quão longe você vá, nós sempre estaremos dormindo sob o mesmo céu. Isso ajuda muito quando precisar voltar para onde está o seu coração.
Cecille tinha razão, eu estava voltando para o Condado, depois de tanto tempo longe. As minhas pernas fininhas levaram-me até o outro lado do oceano e eu virei um doutor engravatado, em ternos caros e meus cabelos... Ah, os meus cabelos! Ainda consigo ouvir a sua voz dizendo:
- Venha Gil, vamos beber daquela fonte. Nós ficaremos jovens para sempre, você sabia?
Nós mergulhamos naquela fonte para não envelhecer jamais. Hoje ao olhar-me no espelho e ver os meus primeiros fios de cabelos brancos, eu senti raiva de Ceci. Eu senti saudades de Ceci e de me deixar levar pelos seus devaneios. Ainda lembro sorrindo de nosso passeio em uma traineira. Já era tarde, o sol começava a se pôr no horizonte. Precisávamos voltar ao cais. Cecille fez birra recusando-se a ir embora sem ver o sol entrar na água, pois seria como os meus comprimidos para o estômago – Efervescendo e criando bolhas para todos os lados. Não havia nada que ela me pedisse que eu não faria.
- Venha ver o pôr do sol, Gilbert!
A vida estava me trazendo de volta para essa atmosfera repleta de criatividade e imaginação de minha doce Cecille. Ansiava para ver a mulher linda que ela deveria ter se tornado.
Como a minha mãe sempre dizia eu havia nascido velho. Eu e a responsabilidade andávamos lado a lado, amadureci cedo demais. Então quando Cecille foi morar ao lado da nossa casa, parecia ter sido a chance que eu precisava para recuperar uma infância que tinha perdido.
Tudo no Condado parecia ser o mesmo. Até o velho casarão com suas paredes gastas, tinha resistido ao tempo, assim como eu.
Um silêncio profundo inundava a velha casa que outrora havia sido palco de grandes festas da alta sociedade. Nem de longe lembrava os tempos áureos com pessoas bem vestidas, comida farta, bebidas caras.
A minha total nostalgia foi quebrada pelo som de uma voz vinda da porta principal, um som como o de quinze mil estrelas, fazendo o meu coração quase parar.
- Venha ver o pôr do sol, Gil! Ele ainda se deita no horizonte sobre o mar e as vezes atrás das montanhas. Se quiser ficar, prometo estar contigo a cada amanhecer...
- A cada nascer de um novo dia.
- Não acredito que você está aqui Gilbert!
- Seu amor me chamou Cecille, então eu regressei para o lugar onde mora o meu coração, exatamente do jeito que você falou um dia que seria. Saber que dormíamos sob o mesmo céu, fez a distância ficar pequenina e me fez ver que o caminho de volta permanecia lá, esperando para ser lembrado.
- O coração tem dessas coisas Gil. Ele escolhe tudo o que vai guardar para um dia ser recordado. É como um farol.
Cecille esticou um dos braços na minha direção, oferecendo-me sua mão e com um enorme sorriso, desses que fazem a noite virar dia, que florescem os caminhos, disse:
- Venha! Vamos ver o pôr do sol.
E eu fui, sem saber que era só o começo da história mais surpreendente que eu viveria e que no final, ainda que eu contasse, somente eu, acreditaria – o sobrenatural do amor.
Cris M C Ramos
Trecho do livro "Um remendo para alma"