O amor tem feito coisas, que até mesmo Deus duvida. Já curou desenganados, já fechou tantas feridas. (Iluminados - Ivan Lins)
Sei lá o que acontece...
Depois dos quarenta as mulheres solteiras entram em uma espécie de desespero hormonal – elas querem muito casar ou querem muito viajar. O importante é ser feliz.
Uma de minhas amigas, recém-chegada aos quarenta, se resolveu pela primeira opção. Sim, por que tudo nessa vida é uma questão de escolha.
Não satisfeita com a minha escolha, ela resolveu me convidar para o Encontro dos Sóis. Isso mesmo, uma espécie de encontro às escuras, onde a gente se produz toda sem saber o que vai achar por lá, na esperança de que a tão sonhada metade de nossa laranja resolva aparecer enfim.
A princípio eu achei que seria algo exotérico, mas daí, eu lembrei de que só existe um Sol. Muitas luas, estrelas, cometas... Mas Sol, eu acho que só tem aquele mesmo.
Ela riu, achou que eu estava de brincadeira, mas mesmo assim, resolveu explicar que seria um encontro de várias pessoas solteiras, em um salão de festa, com uma programação especial para que laços fossem feitos, olhares fossem trocados juntamente com o número de telefone e possivelmente um encontro futuro.
O Amor estaria no ar.
Eu agradeci o convite, coloquei um monte de obstáculos para esconder a verdadeira sensação constrangedora que seria participar de um evento desses. Foi aí, nesse momento, que minha amiga apelou para uma chantagem emocional bombardeando o meu bom coração. Argumentou que queria muito ir, que sentia que a pessoa predestinada para ela estaria nesse encontro, mas que ela não se sentia confortável em ir sozinha.
Era encontro dos sóis... Era pra ir sozinho mesmo.
O ser humano é muito complicado.
No final, acabei indo. Sem gastar nada, ela fez questão de bancar tudo.
Então, em um sábado a noite, estava eu e essa amiga nos dirigindo para um salão de festas na Zona Norte do Rio de Janeiro, em pleno verão carioca.
O local estava cheio, muito mais mulheres do que homens. Nunca entendi esse resultado totalmente desproporcional na maioria dos lugares, mas enfim, lá estava eu sentada em uma mesa, em um cantinho a meia luz, cercada de corações emborrachados, pendurados por linha de nylon, fixados em todo teto.
Era muito amor envolvido.
Minha amiga parecia um radar captando qualquer vibração do ar, como se ele falasse e indicasse o caminho de tijolos dourados para Oz. Eu me contentava em comer e beber como se tivesse acabado de chegar de um deserto.
Em algum momento, ela fixou os olhos em um moreno de meia idade do outro lado, mas o desprender da prótese dentária do camarada em questão, seguida pelo bater de dentes, involuntário dele, fez com que a minha desesperada amiga desistisse de acertar o alvo e desse lugar a um escandaloso riso de nervoso.
Desanimada, sem nada verdadeiramente atrativo aos seus olhos, ela começou a sugerir alguns lugares para que a gente conhecesse em uma viagem bem planejada, com direito a uma parada em Aruba, até que entra pela porta principal do salão um homem lindo, alto, segurando a chave de um carro e um celular de última geração nas mãos, bem vestido e cheiroso, acompanhado por duas amigas visivelmente apaixonadas por ele.
Sentaram em uma mesa perto da nossa. Rapidamente minha amiga desfez das malas e das passagens imaginárias com as quais estávamos sonhando e voltou para o badalar dos sinos com direito a vestido branco.
Como um homem daquele vem a um encontro de sóis e ainda por cima ofusca todos os outros candidatos do local?
Era bem tarde e o sono já batia em minha porta, eu já estava empanturrada de tanto comer e tomar todos os sabores de refrigerantes e sucos disponíveis. O açúcar gritava em meu sangue , meu raciocínio comprometido. Eu já estava rindo pra todo mundo, não sabia mais onde estava nem quem eu era. Minha amiga havia renovado forças com a chegada do bonitão e o radar estava a mil por hora.
Em determinado momento da programação houve a abertura do show de talentos, onde os sóis poderiam mostrar suas habilidades. Nem me atrevi! Minha amiga lamentou o esquecido berimbau em casa. Pensa!
Nosso ofuscante e majestoso participante, munido de um violão, que não faço ideia de onde surgiu, subiu no palco improvisado e apresentou-se antes de tocar:
- Boa noite a todos. Eu sou gay...
Pausa pra mim que comecei a rir descontroladamente olhando para a cara pálida de minha amiga, totalmente transtornada. O mundo feminino havia se rompido em milhões de pedacinhos, junto com a esperança lavada das solteiras em questão.
O bonitão continuou:
- Glaydstone. Vou tocar para vocês uma famosa dos anos oitenta.
Às vezes o nosso desesperado coração, já cansado de tantas batalhas, de finais e recomeços, confunde nossos ouvidos e mente, abalando as nossas estruturas, nos pregando uma peça.
Estamos sempre inclinados para a decepção e esquecemos que às vezes nem tudo o que reluz é ouro, nem tudo que balança cai.
Ps: No final, minha amiga trocou o número de telefone com o bonitão, vão se encontrar qualquer dia desses. Quanto as acompanhantes dele, eram suas irmãs mais novas. Veja só!
E eu, depois de ter chupado a minha metade da laranja durante uma forte gripe, sigo acompanhada de minha máquina fotográfica por esse mundo de meu Deus, registrando tudo.
Cris M C Ramos