terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Multiplicação...


Lembrei-me de Lena essa semana. Aliás, sempre lembro dela.
Acho que é saudade.
Lena, mãe de cinco filhos, alimentava a todos eles, mais o marido e a si mesma com apenas trezentos gramas de carne moída.
Havia uma fartura naquele lar, apesar da comida regrada.
Lena era farta de amor que se multiplicava em cada grão, em cada leiteira de leite fervido, no bolo que crescia mais do que se era esperado, no cheiro bom da roupa limpa secando no varal e nas esticadas por sobre o mato para clarear.
Havia em Lena uma fartura de sorriso, de otimismo, de desejo de aprender que se multiplicava e contagiava.
Lena era uma pequena gota do amor do Criador, que transbordava em quem a conhecesse.
Mulher linda, nordestina, guerreira, que edificava o lar em cada gesto, em cada abraço, nas  correções dadas em cada filho que amava e sobre aqueles que a vida trazia para perto, pois podia ser mãe de todos - filhos agregados.
Lena foi uma referência de amor em minha vida e na de todos que tiveram o privilégio de a conhecer. 
Talvez o mundo de hoje seja carente de mães, de mulheres como a Lena, que consertam uma vida no poder de um apertado e sincero abraço.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Quem quer viver um amor, tem que querer as suas marcas...

Certo dia tive o prazer de conhecer o Bene da Maria e a Maria do Bene.
A maior história sobre desencontros que eu já ouvi na minha vida. Curiosamente algumas pessoas insistem em deixar a felicidade de lado para irem atrás de promessas vãs, de momentos ao vento.
Como costuma dizer um amigo meu "O que Deus risca, ninguém rabisca."
Bene amava Maria, desde o dia em que a viu. Maria também o amava, mas fingiu que esse a amor não viu. Ele até propôs que mais do que amigos eles fossem, mas ela coração duro alegou que a amizade isso estragaria.

Era garota namoradeira e ele não deixou por menos. Conheceram e desconheceram quase todos que no mundo existiam. Encontravam-se de vez em quando para por o papo em dia. Contar de suas conquistas e sobre um futuro que prometia.
Então continuaram seguindo na mesma estrada, lado a lado, mas sem ser de mãos dadas. Até que um dia cada um foi atrás de sua própria jornada. Ela no exterior e ele nas forças armadas.
E o tempo foi passando, ligeiro que nem ele só.
Maria ganhou um corpão de dar inveja a qualquer uma, não lembrava nem de longe aquela magrela que fora um dia. Voltou ao Brasil faceira, com muitas malas e uma frasqueira. Mas ela ficou metida diante de todos os presentes ganhos pela vida. Sentia-se uma rainha.
O Bene a olhava de longe com medo de declarar um amor que ainda ardia. Resolveu estudar mais e trabalhar mais para à Maria dar a vida que ela merecia. Um castelo do jeito que ele sempre sonhou que um dia seria.
Porém em uma manhã de grande temporal, Maria subiu ao altar com um João que nem estava na história. E o coração do Bene partiu-se em mil pedacinhos, de um jeito que nem colando resolvia. As marcas sempre estariam lá. Doía, ardia.
E o tempo continuou passando e pro Bene foi generoso. Trouxe-lhe de terras longínquas uma Lusa fenomenal o fazendo acreditar que um novo amor a casamenteira internet o fez encontrar. E Bene até começou a se sentir popular e da Maria não queria nem mais falar.
E mais uma vez o tempo começou a correr, sem olhar pra trás, sem esperar, sem obedecer e o casamento da Maria à ele não conseguiu resistir e ela viu tudo ruir.
Um dia sentada sozinha, em uma sala vazia, lembrou-se daquele amor de infância,  que a fazia acreditar que tudo seria possível, que tudo seria infinito, que o mundo seria um lugar muito mais bonito e ao Bene foi procurar.
Mas foi a vez dele subir ao altar. Maria viu tudo de longe, para ninguém a ela ali notar. Chorou baixinho, escondida vendo o mundo girar, levando pra caminhos bem longe aquele que na infância ela descobriu amar.
Passando voando foi o tempo, mudando estações, construindo ninhos, renovando as folhas, flores e espinhos, nessa ciranda gigante que muda destinos. 
Certo dia, o Bene acordou sozinho. Como em um pesadelo, um vento forte desfez o seu ninho. Lembrou-se de Maria e a ela foi procurar, mas não a encontrou, em outra cidade foi morar. Soube que ela triste e sozinha, foi tentar a vida em outro lugar.
E o Bene olhou a estrada, desgastada pelo tempo, que não sabia onde iria dar. Pensou em seguir por ela, talvez encontrar Maria, mas decidiu por voltar. Escolheu aproveitar os momentos e as pessoas que conhecesse, sem ter com que se preocupar. Viver sozinho era uma festa.
Maria ficou por um tempo percorrendo a Luisiana. Depois foi para o Texas e conheceu um vaqueiro, mas as coisas não foram adiante. Já era pessoa vivida, dessas que não se iludia mais na vida. Resolveu só curtir e compartilhar.
Mais uma vez seguiu o tempo correndo, quase a voar. Os anos não perdoaram. Para o Bene, cabelos brancos... Maria decidiu disfarçar e de loiro pintar, já se sentia aborrecida nos quilos extras, não adiantava treinar. 
Porém um dia, nessas curvas que a vida dá, uma esquina traiçoeira fez o Bene e a Maria esbarrar. Esse amor que é por inteiro, se conhece desde sempre, mesmo se com o tempo a fisionomia mudar, pois tudo acontece no olhar e vai direto ao coração. 
Maria e Bene enfim deram-se as mãos para continuar naquele caminho, feito só para eles dois. As marcas que o tempo deixou em cada um, só serviu para lembrar de todo o amor que um dia deixaram passar, mas a felicidade desse instante fez valer a pena esse reencontrar. 
E os dois, ao pé do altar, uma poesia de Drummond decidiram declamar: "Eu te gosto, você me gosta, desde tempos imemoriais.
O amor tem dessas coisas... Nos faz sentir imortais.
(e em tudo rima)
Cris M C Ramos
Prelúdio - Fragmentos de um amor atemporal.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Quem sabe um dia, a meia noite, a meia luz...


- Nem sei porque fui remexer nisso... Ele está sozinho.
- É a sua chance de se declarar, amiga.
- Eu não sei. Acho que sou melhor escrevendo. Vou mandar uma carta, com várias páginas, quase um livro para caber todo esse meu amor.
- Que carta que nada, nós homens gostamos de encontros.
- O único lugar que conheço em Sulacap é o cemitério.
- O Jardim da Saudade?
- Sim, esse.
- Fico até arrepiado só de imaginar você marcando um encontro com ele em um cemitério. Se for embarcar nessa, marca logo a meia-noite para criar aquele clima.
- Fala sério!
- Se prepara para esse encontro! Faz uma lipo! Ia levantar a sua auto-estima.
- Está me chamado de gorda?
- Não, mas é que as mulheres estão sempre se achando acima do peso.
- Só você! Tô nem aí se ele me achar gorda, mas essa sua ideia de encontro não vai rolar.
- Sei lá, talvez ele goste de encontros em lugares inusitados. Você poderia ir toda de preto, ia ficar mais magra...
- Você já está me aborrecendo, sabia?
- Com essa história de encontro?
- Não, em me chamar de gorda.
- Só brincando para te descontrair.
- Você não existe.
- Sinceramente amiga, vai fundo e marca um encontro com ele, no cemitério a meia noite ou em um bar a meia luz.
- Por que? Tem algum problema se for às claras, à luz do dia?
- Não, mas encontro de dia é com a avó, com a tia, com os pais... Se é com alguém que você já arrasta um bonde há maior tempão, melhor investir nisso. (risos)
- Eu o acho meio estranho, mas no fundo é um cara legal.
- O maior problema para mim hoje, a essa altura da minha vida é ter que procurar alguma coisa no fundo. Tem que estar na superfície. Nada de eu ter que mergulhar pra poder encontrar. Eu nem sei nadar.
- Mas amiga o que geralmente está boiando costuma não ser muito bom. Até polui e deixa a água proibida para banhos.
- Você viaja na maionese hein !
- Só estou sendo realista.
- Vi uma foto dele outro dia. Ele está com um corpão, nem parece aquele Cotonote que a gente conheceu. Marchar fez um bem danado pra ele. Tem até braço agora para fazer uma tatuagem. Naquele tempo só cabia a linha do Equador e olhe lá.
- (risos)
- Acho que não tenho muita confiança para marcar um encontro.
- (risos)
- Acho que passei dessa fase, devo estar ficando velha.
- (risos)
- Você está rindo do que?
- Desculpe amiga, mas não consigo parar de imaginar você sentada em uma lápide, a meia noite, esperando por ele em Sulacap. Ia assustar até os vigias.  Daria um bom enredo para um filme no estilo do José Mojica.
- Eu ia fazendo o tipo mulher misteriosa, de branco e enfiava logo uma aliança no dedo dele.
- Sei não amiga, acho que ele ia correr até o Oiapoque.
- Você sabe que sou de extremos. Quem vai até o Oiapoque, tem que ir também até o Chuí. Eu pego esse homem na curva. Não vai ter escapatória.
- Quer saber? Você está me assustando? Escreva uma carta.
- Vou escrever...

Cris M C Ramos
Trecho do livro "O primeiro beijo que você não me deu"

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Uma esmola grande demais...


E eu conheci o Klaus...
A gente se completava, sabe.

Em uma bela manhã ensolarada, ele me levou para conhecer a família. Pegamos a estrada cedinho em direção a São Lourenço, sem pausa para esticar as pernas.

Humor era algo que ele tinha em escassez enquanto eu tinha em excesso. Isso fazia com que o Klaus aparentasse ter mais idade do que ele realmente tinha. Era muito organizado para uma espécie masculina. Respeitador até demais sob todos os aspectos, inteligente, charmoso e rico. Reparava nos meus sapatos, nas minhas roupas, na cor do esmalte, sabia até o nome das cores. Sabia tudo sobre as grandes marcas e grifes famosas, apesar de ser veterinário.  Eu quase nem acreditava na minha sorte.


Cheguei a ter um sonho estranho sobre ele, melhor não comentar. Um pesadelo se fosse verdade. Não gosto nem de lembrar. Fico impressionada com sonhos, sempre acho que pode ser Deus falando comigo.

Enquanto ele dirigia, eu o olhava de vez em quando sem que percebesse. 


Eu gostava dele. Seu jeito meio carrancudo até que lhe dava certo charme e quando ele se permitia a um sorriso, era algo totalmente encantador. Rejuvenescia uns dez anos. Deveria sorrir mais vezes em minha opinião pra tirar um pouco desse ar de matador que ele tinha.


Chegamos à fazenda depois de horas na estrada. Saí do carro, dando uma rápida olhada no meu bumbum pra ver se ele ainda estava lá. Mais da

metade dele havia sumido. Fizemos somente uma parada e minha coluna gritava quando finalmente pude esticar as pernas ao sair daquele carro.

O pai de Klaus era alemão e a mãe descendente legítima de índios. Eu olhava para o meu futuro sogro e perguntava pra mim mesma, como esse homem teve a ousadia de estragar uma linhagem pura de brasileiros. Em minha mente eu questionava a minha futura sogra: “Não tinha um índio guerreiro, bonitão pra senhora casar não minha sogra? Tinha que ter arrumado um europeu bem branquelo?”


Eu entendia melhor o português do pai de Klaus do que o linguajar de sua mãe que falava rápido demais com um sotaque mineiro aborígene, se é que isso existe. Estou sendo gentil... Eu não compreendia nada do que a minha futura sogra falava. Então, eu me limitava a sorrir e a concordar com um aceno de cabeça.


Com relação a fazenda deles, era lindíssima.

Esqueci-me da vida diante dessa paisagem bucólica. Estava me sentindo dentro das figurinhas Bem me Quer, de Sarah Kay. Só olhando no Google as imagens pra entender do que estou falando.


Vendo todas aquelas terras comecei a conjecturar o porquê do Klaus nunca ter se casado. Ele era o que as mulheres considerariam como um bom partido. Moreno, alto, bonito e sensual... E rico! E solteiro! E pra mim!
Minha saudosa avó costumava dizer que quando a esmola era grande o santo desconfiava. Parando pra pensar em todos os atributos do Klaus, eu estava começando a desconfiar que algo devesse estar errado.

Será que ele foi um daqueles casos do cara que havia se decepcionado com um grande amor e resolveu se dedicar ao trabalho? Descobriu que bicho era melhor que gente e se afastou dos relacionamentos? Será que o Klaus era gay e de repente desistiu de ser quando me conheceu? Não, eu não tenho esse poder.
Será que ele havia feito uma dessas promessas malucas, sei lá, talvez uma promessa indígena de manter-se solteiro, até os quarenta anos? Talvez ele não gostasse de tomar banho?
Será que comia de colher ou com os dedos? Roncasse muito alto, gritava com voz fina quando via uma barata, deixava a pia do banheiro suja de meleca e pelos de barba... Talvez não tivesse pinto.

Lembrei-me de um pequeno texto que li outro dia que dizia assim: "E ele se pôs na varanda a admirar a lua cheia por um longo tempo. Parecia perdido em pensamentos, feliz pela sensação boa de amar e de ser amado. Pensava na sorte que teve em encontrá-la. Algo dentro dele dizia que dessa vez seria para sempre. Era amor! - Então, do outro lado da varanda, ela o observava de longe, pensativa: "Se ele começar a uivar, eu corro."

Acho que depois de tantas decepções amorosas, a gente vira gato escaldado e desconfia até da própria sombra. Todo mundo merece encontrar o amor.

Melhor deixar as desconfianças para lá e acreditar que havia chegado a minha vez de ser feliz ao lado de alguém com quem eu compartilharia a minha vida, os meus sonhos, os meus temores... Alguém pra envelhecer junto comigo e aquecer os meus pés nas noites de inverno fazendo com que eu aposentasse de vez as minhas meias do Pateta.

Cris M C Ramos
Trecho do livro O primeiro beijo que você não me deu



segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

Happy hour com as amigas e uma mensagem do Criador...


E a gente se vê de vez em quando. Não importa o dia da semana. A gente se encontra pra rir, para chorar as mazelas, comer, rir, desabafar,
rir, comer, comer e rir... Não necessariamente nessa ordem, sempre focadas na comida e nas gargalhadas, mas sem problemas depois com o espelho ou com a balança ordinária.

E foi em um desses encontros que Soraya Hellena, casada a vinte e cinco anos começou a falar mal de seu digníssimo marido. Não existia um lado dele que fosse bom, um pedacinho apenas. O que nos ver nutrir um ranço imediato pelo sujeito diante de nossa amiga, mas terminamos por rir disso também juntamente com a Soraya Hellena, porque no final, estávamos ali exatamente, naquele restaurante, para isso - rir de nervoso, rir de tristeza, rir de alegria, rir sem motivo e comer muito o que o estabelecimento nos oferecesse de melhor e que nunca comíamos ou bebíamos em casa.

Soraya Hellena entre uma gargalhada e outra denegria cada vez mais a imagem do marido, o colocando em uma posição de abaixo de titica dez graus, quando sem mais nem menos, uma amiga novata em nosso meio, bem séria, olhando-a nos olhos, disse:
- Amiga, estou vendo tudo. Chego a ficar arrepiada. Veja só! - e mostrou-nos os pelos dos braços ligeiramente levantados. - Deus é Deus de justiça. Se prepara que Ele vai levar seu marido.

Ficamos em silêncio, com a comida na garganta em uma espécie de limbo sem decidir se descia para o estômago ou se voltava para nos causar um engasgo daqueles em grupo.

Tentei mudar de assunto fazendo uma observação sobre a decoração do restaurante e o desenho na borda do prato. Rapidamente começamos a rir falando das péssimas combinações existentes por aí e da falta de noção de muitas pessoas, da elegância duvidosa da rainha da Inglaterra e das infinidades de estampas de cores no mundo inteiro.

Já era tarde quando saímos de lá prometendo nos encontrar no próximo mês.

Depois desse encontro, Soraya Hellena criou alma nova em seu casamento. Renovou os votos e viajou em segunda lua de mel para Lisboa.  Beijou o sapo e fez dele novamente um príncipe encantado, não sei se aproveitando os últimos dias que provavelmente restava ao marido ou com a esperança de que o Criador desistisse da ideia de levá-lo.

A gente até pensou em excluir a novata do nosso círculo de amigas, mas vai daí  que outra de nós precisasse de uma mensagem direta do Todo Poderoso nos intimando a parar de cuspir no prato em que se está comendo e acordar para o fato de que muitas mulheres, assim como eu, que não beijo na boca já faz o maior tempão, tem passado fome.

Cris M C Ramos
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PS.: Quando tudo for realmente ruim e abusivo, é tempo de dar um basta. Não aceite! No mais, homem é assim, mulher é de outro jeito e viver sobre o mesmo teto é uma das maiores aventuras de um casal, sem contar a viagem fantástica ( no passado, presente e futuro) que é convivência com os filhos, onde a gente volta tudo de novo e revive cada ano escolar e se estuda para uma prova que não faremos.