quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Uma esmola grande demais...


E eu conheci o Klaus...
A gente se completava, sabe.

Em uma bela manhã ensolarada, ele me levou para conhecer a família. Pegamos a estrada cedinho em direção a São Lourenço, sem pausa para esticar as pernas.

Humor era algo que ele tinha em escassez enquanto eu tinha em excesso. Isso fazia com que o Klaus aparentasse ter mais idade do que ele realmente tinha. Era muito organizado para uma espécie masculina. Respeitador até demais sob todos os aspectos, inteligente, charmoso e rico. Reparava nos meus sapatos, nas minhas roupas, na cor do esmalte, sabia até o nome das cores. Sabia tudo sobre as grandes marcas e grifes famosas, apesar de ser veterinário.  Eu quase nem acreditava na minha sorte.


Cheguei a ter um sonho estranho sobre ele, melhor não comentar. Um pesadelo se fosse verdade. Não gosto nem de lembrar. Fico impressionada com sonhos, sempre acho que pode ser Deus falando comigo.

Enquanto ele dirigia, eu o olhava de vez em quando sem que percebesse. 


Eu gostava dele. Seu jeito meio carrancudo até que lhe dava certo charme e quando ele se permitia a um sorriso, era algo totalmente encantador. Rejuvenescia uns dez anos. Deveria sorrir mais vezes em minha opinião pra tirar um pouco desse ar de matador que ele tinha.


Chegamos à fazenda depois de horas na estrada. Saí do carro, dando uma rápida olhada no meu bumbum pra ver se ele ainda estava lá. Mais da

metade dele havia sumido. Fizemos somente uma parada e minha coluna gritava quando finalmente pude esticar as pernas ao sair daquele carro.

O pai de Klaus era alemão e a mãe descendente legítima de índios. Eu olhava para o meu futuro sogro e perguntava pra mim mesma, como esse homem teve a ousadia de estragar uma linhagem pura de brasileiros. Em minha mente eu questionava a minha futura sogra: “Não tinha um índio guerreiro, bonitão pra senhora casar não minha sogra? Tinha que ter arrumado um europeu bem branquelo?”


Eu entendia melhor o português do pai de Klaus do que o linguajar de sua mãe que falava rápido demais com um sotaque mineiro aborígene, se é que isso existe. Estou sendo gentil... Eu não compreendia nada do que a minha futura sogra falava. Então, eu me limitava a sorrir e a concordar com um aceno de cabeça.


Com relação a fazenda deles, era lindíssima.

Esqueci-me da vida diante dessa paisagem bucólica. Estava me sentindo dentro das figurinhas Bem me Quer, de Sarah Kay. Só olhando no Google as imagens pra entender do que estou falando.


Vendo todas aquelas terras comecei a conjecturar o porquê do Klaus nunca ter se casado. Ele era o que as mulheres considerariam como um bom partido. Moreno, alto, bonito e sensual... E rico! E solteiro! E pra mim!
Minha saudosa avó costumava dizer que quando a esmola era grande o santo desconfiava. Parando pra pensar em todos os atributos do Klaus, eu estava começando a desconfiar que algo devesse estar errado.

Será que ele foi um daqueles casos do cara que havia se decepcionado com um grande amor e resolveu se dedicar ao trabalho? Descobriu que bicho era melhor que gente e se afastou dos relacionamentos? Será que o Klaus era gay e de repente desistiu de ser quando me conheceu? Não, eu não tenho esse poder.
Será que ele havia feito uma dessas promessas malucas, sei lá, talvez uma promessa indígena de manter-se solteiro, até os quarenta anos? Talvez ele não gostasse de tomar banho?
Será que comia de colher ou com os dedos? Roncasse muito alto, gritava com voz fina quando via uma barata, deixava a pia do banheiro suja de meleca e pelos de barba... Talvez não tivesse pinto.

Lembrei-me de um pequeno texto que li outro dia que dizia assim: "E ele se pôs na varanda a admirar a lua cheia por um longo tempo. Parecia perdido em pensamentos, feliz pela sensação boa de amar e de ser amado. Pensava na sorte que teve em encontrá-la. Algo dentro dele dizia que dessa vez seria para sempre. Era amor! - Então, do outro lado da varanda, ela o observava de longe, pensativa: "Se ele começar a uivar, eu corro."

Acho que depois de tantas decepções amorosas, a gente vira gato escaldado e desconfia até da própria sombra. Todo mundo merece encontrar o amor.

Melhor deixar as desconfianças para lá e acreditar que havia chegado a minha vez de ser feliz ao lado de alguém com quem eu compartilharia a minha vida, os meus sonhos, os meus temores... Alguém pra envelhecer junto comigo e aquecer os meus pés nas noites de inverno fazendo com que eu aposentasse de vez as minhas meias do Pateta.

Cris M C Ramos
Trecho do livro O primeiro beijo que você não me deu



Nenhum comentário:

Postar um comentário