sexta-feira, 31 de julho de 2020

Encontros inusitados...


Uma curtinha que me veio à memória hoje pela manhã...
Certa vez eu estava desenvolvendo um projeto de sinalização para um grande hospital em meu Município. Início da minha carreira como Programadora Visual.
A pressão era bem grande em cima de mim, pois eu não tinha vínculos políticos ou partidários. Eu era simplesmente alguém que se candidatou a prestar um serviço e foi dada a oportunidade. Eu não tinha indicações, nem as costas quentes como costumam dizer por aí. 
Enfim, marcaram comigo para apresentar o Projeto de Sinalização e Revitalização do Hospital na véspera do Natal para toda a diretoria e uma junta médica. Se eu estivesse falando de mar, eles seriam os tubarões (eu um peixinho fora do cardume), para você ter uma ideia do poder de decisão daquelas pessoas.
A semana que antecedeu a apresentação foi movida pelos últimos acertos, revisões e mais revisões com direito a ensaios na frente do espelho, me fazendo esquecer ou deixar de lado as preparações da festa natalina.
Então, na véspera do Natal eu estava lá munida de muitos papéis, apresentação em Power Point, vestes adequadas e formais, tudo no mais alto padrão de profissionalismo que eu tinha ideia.  Fui preparada para impressionar e ganhar o serviço.
A tensão era tanta, que a reunião foi se transformando em uma pedra de gelo.
No meio da reunião, sem bater na porta, entrou uma pequena senhora de cabelos brancos, com sorriso largo dando boa tarde a todos. Miúda como um passarinho. Eu já a tinha visto pelos corredores com uma vassoura e um carrinho de lixo.  Caminhou na minha direção, se aproximou, segurou meu rosto com suas mãos me obrigando curvar a minha cabeça e olhar direto em seus olhos, enquanto me dizia com muita doçura “Feliz Natal pra você”. Em seguida beijou-me a testa.
Eu não sei explicar o que aconteceu, mas toda aquela tensão desapareceu. Eu retomei a reunião muito mais leve, fiz até piadas descontraindo a todos.  No final, ganhei a licitação e fiz todo o serviço de sinalização do Hospital Municipal. Comecei o novo ano com um grande trabalho lucrativo que abriu portas para outros.
Não sei você, mas de vez em quando acho que encontro Deus por aí, em diferentes situações e funções, esperando ser reconhecido por alguém em seus gestos de amor e carinho.
É sério! Esbarro com Ele por aí e às vezes eu tenho até o privilégio de ganhar um beijo ou um abraço... E a eu fico como quem sonha, feliz e em paz sem nem entender o porquê. 

C M C Ramos
                                                   (Nem foi tão curtinha assim, não é?)

terça-feira, 21 de julho de 2020

Em terras distantes...



“Sim, eu posto poesias e fotos de lugares que gostaria de conhecer antes de morrer. Sim, eu escrevo e ilustro livros!”

Um amigo a quem amo muito e acredite quando digo que amo, pois é amor de verdade. Desses que já dura um tempo desde que todo mundo era magrelo e a borracha grande e verde tinha todas as respostas da prova. Desses que persistem por mais de três décadas e que acredito durará por toda a minha eternidade, porque amor de verdade é assim.

Pois bem, ele costuma dizer que vivo em um conto de fadas, em Nárnia, no País das Maravilhas...

Hoje pensando em algumas coisas que vivi dentro de orfanatos, abrigos, escolas... E hospitais (mesmo negando com todas as minhas forças que eu seja palhaça). Cheguei a conclusão de que ele tem razão. 

Tenho vivido cercada de Príncipes e Princesas em um vasto Reino que começa aqui onde estou agora e vai muito além das terras que meus olhos conseguem ver. Além Paravel, além das Terras de Guarda-Roupas, das montanhas, de outros planetas.

Nesse Reino, Príncipes e Princesas têm travado batalhas todos os dias. 

Alguns entram em uma guerra para aprender a matemática e o português.Outros sonham em viver em um castelo onde existam um rei e uma rainha que os ame e cuide bem deles.

Às vezes o coração aperta quando uma Princesa consegue realizar o sonho e a gente lembra que tem mais duas pequenas irmãs que serão deixadas para trás. Aí o milagre acontece e o novo castelo é bem grande para acomodar as três e tem até piscina. E a gente se despede na torcida de que tudo dê certo.

Tem aqueles que vivem em um mundo só deles e nos deixam entrar de vez em quando.

Outros voam por aí em suas cadeiras intergaláticas.

Existem também os Príncipes e Princesas que travam batalhas, em duelos de espadas, todos os dias. Alguns perdem os cabelinhos, as pálpebras, mas nunca suas coroas. Às vezes nos deixam e vão para um Reino muito melhor, um lugar que meus olhos nunca viram e meus ouvidos nunca ouviram com exatidão sobre o quão belo ele é. 

Tem aqueles que lutam pela sua infância interrompida. Precisam de reforços na linha de batalha. E o coração fica em pedaços quando não conseguimos chegar a tempo.

Meus Príncipes e Princesas são todos desenhistas. Desenham e pintam com maestria. Nos traços e cores se expressam nos permitindo ver um mundo onde existem as ameaças dos lobos e dragões, muitas das vezes no próprio convívio deles. E começamos o regaste. O caminho para salvá-las não é fácil e temos que passar por ele duas vezes. Ida e volta, protegendo a realeza em uma estrada que machuca, que nos tira o sono, mas extremamente necessária. 

Certa vez comprei sabonetes para um pequeno grupo de Princesas que nunca os havia usado na vida. 

Uma delas me chamou muito a atenção, na época com sete anos. Ela esfregava insistentemente uma região da coxa, próxima a virilha a ponto de deixar vermelho. Aproximei-me para saber o que estava acontecendo e percebi que havia marcas de queimaduras feitas com pontas de cigarros ali. Talvez achasse que fossem sabonetes mágicos que apagariam, limpariam...

Existem cicatrizes que nunca conseguirei apagar.

Eu também tenho travado as minhas próprias batalhas e acredito que cada um de vocês também. 

Não dá pra medir se as minhas são maiores que as suas e vice versa. As coisas que sentimos na pele são pessoais e únicas.

No meu País das Maravilhas, tem valido a pena conhecer esses Príncipes e Princesas e até perder o sono por cada um deles. Deixa-los pentear os meus cabelos em um dia de beleza inventado. Subir os mais altos montes, enfrentar o perigo e as áreas proibidas, pra convidar familiares para apresentações de Natal, confiante de que não acontecerá um momento de conflito antes que você consiga descer de lá. No fundo do coração o desejo de que eles nunca mais aconteçam e que todos vivam em paz.

Nem sempre os dias são de sol, no meu País das Maravilhas e de milagres, mas nós estamos aprendendo a lidar com a chuva também, para que no final de tudo a gente possa, ainda que exaustos, ter a esperança de contemplar o arco-íris.


Cris M. C. Ramos
(Apenas mais uma declaração de amor em um mundo real)

PS: Só pra você saber meu querido amigo de infância... Ainda te amo do mesmo jeito., com muitos coraçõezinhos voando em volta da minha cabeça quando te vejo.


Sobre as estrelas...


Pra não dizer que não falei das estrelas...
Algumas caem aqui na Terra de tempos em tempos.
Algumas crianças são a melhor definição delas.
São raras.
São diferentes.
São chamadas Especiais.
Possuem dons e talentos peculiares, únicos que precisam ser estimulados, que precisam ser descobertos como um tesouro a ser buscado pelos que delas cuidam.
Algumas pessoas são escolhidas aqui nessa Terra para essa tão nobre tarefa de amá-las, de guia-las no bom caminho. E quando pensam que as estão ensinando, na realidade estão aprendendo com elas, dia após dia a importância de um abraço, a paz de um sorriso, a beleza do simples, a celebração das pequenas conquistas e das grandes também... Porque a vida é um presente pra quem é diferente e pra quem acha que não é.
É claro, que às vezes o cansaço chega para ambos os lados.
E juntos nessa caminhada, seguem de mãos dadas... Nessa troca de amor infinito, fazendo do mundo um lugar muito mais bonito.

Cris M C Ramos
(Para Leila Maria, uma das estrelas mais brilhantes que já conheci.)

sexta-feira, 17 de julho de 2020

Profiles


Siga o meu perfil no Facebook e Instagram para ler mais...

quarta-feira, 15 de julho de 2020

Porta-retratos...

Há alguns anos viajei para outro Estado em férias, para me permitir ficar ao sol e beber água de coco enquanto contemplasse as ondas do mar, sem me preocupar com as horas.

Coisa boa é poder estar dentro de outras culturas, ainda que não seja fora do País. Gosto de conhecer novos aromas, novos sabores e claro, novas pessoas. A raça humana em todo o seu eclético estilo de vida, conceitos, valores, sempre me inspiram boas histórias.

Nessa viagem, conheci Franciscleyde, uma mulher casada, mãe de um casal de filhos, por volta de seus vinte e nove anos, dona de uma cadela da raça Pinscher, que dispensa comentários, chamada Dalvanira, morando em um bairro nobre da capital do Estado.

Visitei a casa de Francis, como era carinhosamente chamada pelos mais próximos, para um café da manhã, pois em seguida, ela e a família me levariam para conhecer pontos turísticos e uma praia deserta em um local paradisíaco. 

Reparei na sala de Francis, enquanto a aguardava, em uma estante de madeira antiga e escura, uma infinidade de porta-retratos. Não conseguindo identificar nenhum de seus familiares ali, resolvi perguntar quem eram aquelas pessoas no momento em que ela veio me cumprimentar. Para a minha surpresa, Francis me explicou que simplesmente comprara os porta-retratos exatamente pelas imagens que estavam ali, que em sua opinião eram bonitas. Eram as fotos perfeitas em um mundo perfeito. Concluiu dizendo que gostaria de ser como aquelas mulheres ou ter famílias como aquelas. 

Fiquei chocada e ao mesmo tempo sem saber o que dizer para Francis. Não a julguei, não dei-lhe lições de moral ou qualquer coisa do gênero. Eu sorri, coloquei um de meus braços sobre seus ombros e perguntei sobre o café da manhã. Em seguida ela me levou para uma sala, onde sua família já nos aguardava.

Café da manhã dos bons, deferente aqui do Rio. Jambo, suco de caju, cará, macaxeira, leite, cuscuz, manteia de garrafa... E para levar em nosso passeio até a praia deserta, Susi (apelido de Lidinalva), a empregada, separou alguns mariscos no molho de coco e outros no de tomate, caranguejo, umas latinhas de Pitu (eu nem bebo), refrigerante, bolo de chocolate e para me agradar, uma feijoada. Tudo isso arrumado, com todo o carinho e a fartura da hospitalidade e amor que os nordestinos possuem.  

Bem diferente do cardápio carioca. Eu confesso que me limitava aos picolés e sanduiches naturais vendidos nas praias do Rio, o que me fez lembrar de uma senhora , vendedora ambulante, certa vez, em Grumari, vestida de vaquinha e da Kombi, o carro da pamonha e cural, que na minha opinião se tratava de uma multinacional, pois passava em todos os lugares do Rio, com a mesma gravação emitida pelos auto-falantes presos no teto do veículo.

Voltando à Francis e sua família, tirei muitas fotos deles juntos e separados naquele dia. Depois coloquei em porta-retratos e dei-lhe de presente no final de minha viagem. A melhor parte foi ver a expressão dela percebendo o quanto eram fotogênicos. As fotos ficaram realmente lindas. Antes de ir embora, as vi uma a uma ocupando o lugar das outras na estante e fraguei Francis algumas vezes fazendo selfies com caras e bocas, enviando em seguida para o marido no escritório onde ele trabalhava.

Não sei em que parte do caminho Francis perdeu a beleza do olhar em relação a si mesma e a sua família. Talvez tenha se casado jovem demais e esperava viver uma vida como nas telenovelas ou nos filmes de Hollywood.

A gente tem dessas coisas na adolescência. De querer ser igual a alguém famoso ou de se casar com um dos integrantes do Menudo, mas tudo isso passa né?

(pausa pra pensar)

Eu acho que seu tivesse o bumbum e as pernas da Beyocé, a boca da Joly, os cabelos da Gisele, a cintura e os peitos da Barbie... Eu ficaria muito melhor.  Sei lá,  talvez eu me tornasse uma espécie de noiva do Frankenstein, com uma beleza monstruosa.

(brincadeirinha)

O que eu aprendi com Francis?

Se ame acima de tudo, se sinta na hora de fazer uma fotografia. Transborde beleza. Contagie, inspire.

Às vezes passamos tempo demais sonhando, idealizando e a gente se esquece de ser feliz. De fazer do que temos ou somos,  nossas pequenas felicidades certas, imortalizadas pelas lentes de uma câmera que congela o momento fora dos arquivos da memória. Pra que os nosso olhar visualize e faça nossa mente lembrar do que foi bom, que é e que pra sempre será, construindo a nossa história. 

Não se reprima.

Cris M C Ramos

 

PS.: Alguém sabe se aquele garoto moreninho, aquele que tinha uma falha no dente da frente, que era o meu preferido do grupo está solteiro? Só pra saber mesmo.


sexta-feira, 17 de abril de 2020

Meu nome é James... James Bond.



O amor tem feito coisas, que até mesmo Deus duvida. Já curou desenganados, já fechou tantas feridas. (Iluminados - Ivan Lins)

Sei lá o que acontece...

Depois dos quarenta as mulheres solteiras entram em uma espécie de desespero hormonal – elas querem muito casar ou querem muito viajar. O importante é ser feliz.

Uma de minhas amigas, recém-chegada aos quarenta, se resolveu pela primeira opção. Sim, por que tudo nessa vida é uma questão de escolha.

Não satisfeita com a minha escolha, ela resolveu me convidar para o Encontro dos Sóis. Isso mesmo, uma espécie de encontro às escuras, onde a gente se produz toda sem saber o que vai achar por lá, na esperança de que a tão sonhada metade de nossa laranja resolva aparecer enfim. 

A princípio eu achei que seria algo exotérico, mas daí, eu lembrei de que só existe um Sol. Muitas luas, estrelas, cometas... Mas Sol, eu acho que só tem aquele mesmo.  

Ela riu, achou que eu estava de brincadeira, mas mesmo assim, resolveu explicar que seria um encontro de várias pessoas solteiras, em um salão de festa, com uma programação especial para que laços fossem feitos, olhares fossem trocados juntamente com o número de telefone e possivelmente um encontro futuro.

O Amor estaria no ar.

Eu agradeci o convite, coloquei um monte de obstáculos para esconder a verdadeira sensação constrangedora que seria participar de um evento desses. Foi aí, nesse momento, que minha amiga apelou para uma chantagem emocional bombardeando o meu bom coração. Argumentou que queria muito ir, que sentia que a pessoa predestinada para ela estaria nesse encontro, mas que ela não se sentia confortável em ir sozinha.

Era encontro dos sóis... Era pra ir sozinho mesmo.

O ser humano é muito complicado.

No final, acabei indo. Sem gastar nada, ela fez questão de bancar tudo.

Então, em um sábado a noite, estava eu e essa amiga nos dirigindo para um salão de festas na Zona Norte do Rio de Janeiro, em pleno verão carioca.

O local estava cheio, muito mais mulheres do que homens. Nunca entendi esse resultado totalmente desproporcional na maioria dos lugares, mas enfim, lá estava eu sentada em uma mesa, em um cantinho a meia luz, cercada de corações emborrachados, pendurados por linha de nylon, fixados em todo teto.

Era muito amor envolvido.

Minha amiga parecia um radar captando qualquer vibração do ar, como se ele falasse e indicasse o caminho de tijolos dourados para Oz. Eu me contentava em comer e beber como se tivesse acabado de chegar de um deserto.

Em algum momento, ela fixou os olhos em um moreno de meia idade do outro lado, mas o desprender da prótese dentária do camarada em questão, seguida pelo bater de dentes, involuntário dele, fez com que a minha desesperada amiga desistisse de acertar o alvo e desse lugar a um escandaloso riso de nervoso.

Desanimada, sem nada verdadeiramente atrativo aos seus olhos, ela começou a sugerir alguns lugares para que a gente conhecesse em uma viagem bem planejada, com direito a uma parada em Aruba, até que entra pela porta principal do salão um homem lindo, alto, segurando a chave de um carro e um celular de última geração nas mãos, bem vestido e cheiroso, acompanhado por duas amigas visivelmente apaixonadas por ele.

Sentaram em uma mesa perto da nossa. Rapidamente minha amiga desfez das malas e das passagens imaginárias com as quais estávamos sonhando e voltou para o badalar dos sinos com direito a vestido branco.

Como um homem daquele vem a um encontro de sóis e ainda por  cima ofusca todos os outros candidatos do local?

Era bem tarde e o sono já batia em minha porta, eu já estava empanturrada de tanto comer e tomar todos os sabores de refrigerantes e sucos disponíveis. O açúcar gritava em meu sangue , meu raciocínio comprometido. Eu já estava rindo pra todo mundo, não sabia mais onde estava nem quem eu era. Minha amiga havia renovado forças com a chegada do bonitão e o radar estava a mil por hora.

Em determinado momento da programação houve a abertura do show de talentos, onde os sóis poderiam mostrar suas habilidades. Nem me atrevi! Minha amiga lamentou o esquecido berimbau em casa. Pensa!

Nosso ofuscante e majestoso participante, munido de um violão, que não faço ideia de onde surgiu, subiu no palco improvisado e apresentou-se antes de tocar:

- Boa noite a todos. Eu sou gay...

Pausa pra mim que comecei a rir descontroladamente olhando para a cara pálida de minha amiga, totalmente transtornada. O mundo feminino havia se rompido em milhões de pedacinhos, junto com a esperança lavada das solteiras em questão.

O bonitão continuou:

- Glaydstone. Vou tocar para vocês uma famosa dos anos oitenta.

Às vezes o nosso desesperado coração, já cansado de tantas batalhas, de finais e recomeços, confunde nossos ouvidos e mente, abalando as nossas estruturas, nos pregando uma peça.

Estamos sempre inclinados para a decepção e esquecemos que às vezes nem tudo o que reluz é ouro, nem tudo que balança cai.

Ps: No final, minha amiga trocou o número de telefone com o bonitão, vão se encontrar qualquer dia desses. Quanto as acompanhantes dele, eram suas irmãs mais novas. Veja só!

E eu, depois de ter chupado a minha metade da laranja durante uma forte gripe, sigo acompanhada de minha máquina fotográfica por esse mundo de meu Deus, registrando tudo.

Cris M C Ramos

sexta-feira, 3 de abril de 2020

Ano 1 - 2020... Que saudade de você!


Quando a gente acha que já sabe de tudo dessa vida, que não tem mais nada de novo, aí se aprende que ficar distante às vezes também é um ato de amor.

Um dia acordamos assim, nos privando de contato, nessa tela grande que virou a vida, nesse momento que parece uma série de tanto que demora pra acabar. A gente chega a duvidar. A Netflix vai até invejar.

O mundo ficou mais triste.

Os sorrisos ficaram encobertos e o olhar passou a dizer quase tudo.

Os ouvidos estão cansados e a mente muito confusa, nesse tsunami de informações.

E no prato a gente não sabe, o que vai ter amanhã. Subiram de nível o arroz e o feijão. Fazem parte da nobreza e não querem se misturar mais não.

O trabalho de todo dia, que nos garantia o pão, se prostrou em cima do muro, sem saber pra que lado ir nessa desestabilização.

Se quase tudo era “made in China” e agora? Que confusão! Ninguém vê a última fabricação.Só se sabe que existe e que recebeu uma coroação. Infestou o mundo inteiro e não é preciso pagar não.

Um inimigo invisível faz qualquer um perder a razão. Sem termos o peito de aço, capa voadora e a força de um leão, nos recolhemos em nossas casas, clamando por salvação. 

O virtual substituiu o real, nesse mundo que só parece ser sem fronteiras, mas que se constrói a cada dia muros mais alto, grades mais firmes, fechaduras mais seguras e pessoas mais sozinhas. No peito, o coração desbota, esfria. De repente nos lembramos de olhar para o alto e toda a preocupação e alvoroço, se transformam em calmaria.

E eu tô com uma saudade danada de você, Maria. Desse seu jeito de achar que sempre tem razão e das suas crises de sinusite, que doía até em mim, de tanto que você reclamava e fungava. Tomara que tudo termine logo e eu possa te abraçar de novo, me ver em seus olhos, ficar bem juntinho de você.

E sabe esse meu coração imperfeito, mas só teu? Ele também te manda lembranças.

 


Nas curvas da vida...

Eram quase seis da manhã quando ela travava uma luta com sua própria cama para tentar escapar das armadilhas do algodão no edredom macio. Acabou por vencer a batalha mais um dia e levantou-se decidida a tomar um banho quente e tirar todos os vestígios da luta pelo corpo. Depois se vestiu, tomou um bom café da manhã e saiu de casa.

Ele caminhava apressado em direção ao trabalho. Difícil chegar no horário com essa chuva insistente. Usar o carro seria a pior das opções em um dia de congestionamento como aquele. Sentia que seria preciso que o dia tivesse bem mais de vinte e quatro horas para dar conta de todo o serviço acumulado.

Ela andava rapidamente em direção à academia. Uma agenda cheia a esperava assim que o treino terminasse. Talvez hoje, nem tivesse tempo de parar para o almoço.

Uma esquina os aguardava, silenciosa e ansiosa, pelo momento de colisão. Era especialista em unir pessoas e destinos, abrindo espaços no tempo para um olhar.

Ah, essas curvas da vida dá... Atando e desfazendo laços, apontando novos caminhos, congelando os momentos pra nos fazer lembrar. O que for realmente nosso sempre virá ao nosso encontro ou reencontro.

Ah, essas pontes que a vida constrói... Unindo pessoas para algo muito maior que ninguém consegue imaginar. Um despertar. Nem tudo é sobre a gente.

Um coração quando encontra outro, que bate no mesmo compasso, sonha junto e a cada batida, faz do sonho uma engrenagem, uma realidade.

São coisas do coração.

São coisas da vida.

(Cris M C Ramos)



terça-feira, 3 de março de 2020

Venha ver o pôr do sol...


- A vida começa bem aqui, nesses trilhos, bem no comecinho e vai até onde você conseguir chegar com essas suas pernas fininhas. Quando você quiser tentar novos caminhos é só desembarcar e entrar em outro trem. Mas, fique certo de uma coisa - Não importa quão longe você vá, nós sempre estaremos dormindo sob o mesmo céu. Isso ajuda muito quando precisar voltar para onde está o seu coração.
Cecille tinha razão, eu estava voltando para o Condado, depois de tanto tempo longe. As minhas pernas fininhas levaram-me até o outro lado do oceano e eu virei um doutor engravatado, em ternos caros e meus cabelos... Ah, os meus cabelos! Ainda consigo ouvir a sua voz dizendo:
- Venha Gil, vamos beber daquela fonte. Nós ficaremos jovens para sempre, você sabia?
Nós mergulhamos naquela fonte para não envelhecer jamais. Hoje ao olhar-me no espelho e ver os meus primeiros fios de cabelos brancos, eu senti raiva de Ceci. Eu senti saudades de Ceci e de me deixar levar pelos seus devaneios. Ainda lembro sorrindo de nosso passeio em uma traineira. Já era tarde, o sol começava a se pôr no horizonte. Precisávamos voltar ao cais. Cecille fez birra recusando-se a ir embora sem ver o sol entrar na água, pois seria como os meus comprimidos para o estômago – Efervescendo e criando bolhas para todos os lados. Não havia nada que ela me pedisse que eu não faria.
- Venha ver o pôr do sol, Gilbert!
A vida estava me trazendo de volta para essa atmosfera repleta de criatividade e imaginação de minha doce Cecille. Ansiava para ver a mulher linda que ela deveria ter se tornado.
Como a minha mãe sempre dizia eu havia nascido velho. Eu e a responsabilidade andávamos lado a lado, amadureci cedo demais. Então quando Cecille foi morar ao lado da nossa casa, parecia ter sido a chance que eu precisava para recuperar uma infância que tinha perdido.
Tudo no Condado parecia ser o mesmo. Até o velho casarão com suas paredes gastas, tinha resistido ao tempo, assim como eu.
Um silêncio profundo inundava a velha casa que outrora havia sido palco de grandes festas da alta sociedade. Nem de longe lembrava os tempos áureos com pessoas bem vestidas, comida farta, bebidas caras.
A minha total nostalgia foi quebrada pelo som de uma voz vinda da porta principal, um som como o de quinze mil estrelas, fazendo o meu coração quase parar.
- Venha ver o pôr do sol, Gil! Ele ainda se deita no horizonte sobre o mar e as vezes atrás das montanhas. Se quiser ficar, prometo estar contigo a cada amanhecer...
- A cada nascer de um novo dia.
- Não acredito que você está aqui Gilbert!
- Seu amor me chamou Cecille, então eu regressei para o lugar onde mora o meu coração, exatamente do jeito que você falou um dia que seria. Saber que dormíamos sob o mesmo céu, fez a distância ficar pequenina e me fez ver que o caminho de volta permanecia lá, esperando para ser lembrado.
- O coração tem dessas coisas Gil. Ele escolhe tudo o que vai guardar para um dia ser recordado. É como um farol.
Cecille esticou um dos braços na minha direção, oferecendo-me sua mão e com um enorme sorriso, desses que fazem a noite virar dia, que florescem os caminhos, disse:
- Venha! Vamos ver o pôr do sol.
E eu fui, sem saber que era só o começo da história mais surpreendente que eu viveria e que no final, ainda que eu contasse, somente eu, acreditaria – o sobrenatural do amor.
Cris M C Ramos
Trecho do livro "Um remendo para alma"

terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Multiplicação...


Lembrei-me de Lena essa semana. Aliás, sempre lembro dela.
Acho que é saudade.
Lena, mãe de cinco filhos, alimentava a todos eles, mais o marido e a si mesma com apenas trezentos gramas de carne moída.
Havia uma fartura naquele lar, apesar da comida regrada.
Lena era farta de amor que se multiplicava em cada grão, em cada leiteira de leite fervido, no bolo que crescia mais do que se era esperado, no cheiro bom da roupa limpa secando no varal e nas esticadas por sobre o mato para clarear.
Havia em Lena uma fartura de sorriso, de otimismo, de desejo de aprender que se multiplicava e contagiava.
Lena era uma pequena gota do amor do Criador, que transbordava em quem a conhecesse.
Mulher linda, nordestina, guerreira, que edificava o lar em cada gesto, em cada abraço, nas  correções dadas em cada filho que amava e sobre aqueles que a vida trazia para perto, pois podia ser mãe de todos - filhos agregados.
Lena foi uma referência de amor em minha vida e na de todos que tiveram o privilégio de a conhecer. 
Talvez o mundo de hoje seja carente de mães, de mulheres como a Lena, que consertam uma vida no poder de um apertado e sincero abraço.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Quem quer viver um amor, tem que querer as suas marcas...

Certo dia tive o prazer de conhecer o Bene da Maria e a Maria do Bene.
A maior história sobre desencontros que eu já ouvi na minha vida. Curiosamente algumas pessoas insistem em deixar a felicidade de lado para irem atrás de promessas vãs, de momentos ao vento.
Como costuma dizer um amigo meu "O que Deus risca, ninguém rabisca."
Bene amava Maria, desde o dia em que a viu. Maria também o amava, mas fingiu que esse a amor não viu. Ele até propôs que mais do que amigos eles fossem, mas ela coração duro alegou que a amizade isso estragaria.

Era garota namoradeira e ele não deixou por menos. Conheceram e desconheceram quase todos que no mundo existiam. Encontravam-se de vez em quando para por o papo em dia. Contar de suas conquistas e sobre um futuro que prometia.
Então continuaram seguindo na mesma estrada, lado a lado, mas sem ser de mãos dadas. Até que um dia cada um foi atrás de sua própria jornada. Ela no exterior e ele nas forças armadas.
E o tempo foi passando, ligeiro que nem ele só.
Maria ganhou um corpão de dar inveja a qualquer uma, não lembrava nem de longe aquela magrela que fora um dia. Voltou ao Brasil faceira, com muitas malas e uma frasqueira. Mas ela ficou metida diante de todos os presentes ganhos pela vida. Sentia-se uma rainha.
O Bene a olhava de longe com medo de declarar um amor que ainda ardia. Resolveu estudar mais e trabalhar mais para à Maria dar a vida que ela merecia. Um castelo do jeito que ele sempre sonhou que um dia seria.
Porém em uma manhã de grande temporal, Maria subiu ao altar com um João que nem estava na história. E o coração do Bene partiu-se em mil pedacinhos, de um jeito que nem colando resolvia. As marcas sempre estariam lá. Doía, ardia.
E o tempo continuou passando e pro Bene foi generoso. Trouxe-lhe de terras longínquas uma Lusa fenomenal o fazendo acreditar que um novo amor a casamenteira internet o fez encontrar. E Bene até começou a se sentir popular e da Maria não queria nem mais falar.
E mais uma vez o tempo começou a correr, sem olhar pra trás, sem esperar, sem obedecer e o casamento da Maria à ele não conseguiu resistir e ela viu tudo ruir.
Um dia sentada sozinha, em uma sala vazia, lembrou-se daquele amor de infância,  que a fazia acreditar que tudo seria possível, que tudo seria infinito, que o mundo seria um lugar muito mais bonito e ao Bene foi procurar.
Mas foi a vez dele subir ao altar. Maria viu tudo de longe, para ninguém a ela ali notar. Chorou baixinho, escondida vendo o mundo girar, levando pra caminhos bem longe aquele que na infância ela descobriu amar.
Passando voando foi o tempo, mudando estações, construindo ninhos, renovando as folhas, flores e espinhos, nessa ciranda gigante que muda destinos. 
Certo dia, o Bene acordou sozinho. Como em um pesadelo, um vento forte desfez o seu ninho. Lembrou-se de Maria e a ela foi procurar, mas não a encontrou, em outra cidade foi morar. Soube que ela triste e sozinha, foi tentar a vida em outro lugar.
E o Bene olhou a estrada, desgastada pelo tempo, que não sabia onde iria dar. Pensou em seguir por ela, talvez encontrar Maria, mas decidiu por voltar. Escolheu aproveitar os momentos e as pessoas que conhecesse, sem ter com que se preocupar. Viver sozinho era uma festa.
Maria ficou por um tempo percorrendo a Luisiana. Depois foi para o Texas e conheceu um vaqueiro, mas as coisas não foram adiante. Já era pessoa vivida, dessas que não se iludia mais na vida. Resolveu só curtir e compartilhar.
Mais uma vez seguiu o tempo correndo, quase a voar. Os anos não perdoaram. Para o Bene, cabelos brancos... Maria decidiu disfarçar e de loiro pintar, já se sentia aborrecida nos quilos extras, não adiantava treinar. 
Porém um dia, nessas curvas que a vida dá, uma esquina traiçoeira fez o Bene e a Maria esbarrar. Esse amor que é por inteiro, se conhece desde sempre, mesmo se com o tempo a fisionomia mudar, pois tudo acontece no olhar e vai direto ao coração. 
Maria e Bene enfim deram-se as mãos para continuar naquele caminho, feito só para eles dois. As marcas que o tempo deixou em cada um, só serviu para lembrar de todo o amor que um dia deixaram passar, mas a felicidade desse instante fez valer a pena esse reencontrar. 
E os dois, ao pé do altar, uma poesia de Drummond decidiram declamar: "Eu te gosto, você me gosta, desde tempos imemoriais.
O amor tem dessas coisas... Nos faz sentir imortais.
(e em tudo rima)
Cris M C Ramos
Prelúdio - Fragmentos de um amor atemporal.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Quem sabe um dia, a meia noite, a meia luz...


- Nem sei porque fui remexer nisso... Ele está sozinho.
- É a sua chance de se declarar, amiga.
- Eu não sei. Acho que sou melhor escrevendo. Vou mandar uma carta, com várias páginas, quase um livro para caber todo esse meu amor.
- Que carta que nada, nós homens gostamos de encontros.
- O único lugar que conheço em Sulacap é o cemitério.
- O Jardim da Saudade?
- Sim, esse.
- Fico até arrepiado só de imaginar você marcando um encontro com ele em um cemitério. Se for embarcar nessa, marca logo a meia-noite para criar aquele clima.
- Fala sério!
- Se prepara para esse encontro! Faz uma lipo! Ia levantar a sua auto-estima.
- Está me chamado de gorda?
- Não, mas é que as mulheres estão sempre se achando acima do peso.
- Só você! Tô nem aí se ele me achar gorda, mas essa sua ideia de encontro não vai rolar.
- Sei lá, talvez ele goste de encontros em lugares inusitados. Você poderia ir toda de preto, ia ficar mais magra...
- Você já está me aborrecendo, sabia?
- Com essa história de encontro?
- Não, em me chamar de gorda.
- Só brincando para te descontrair.
- Você não existe.
- Sinceramente amiga, vai fundo e marca um encontro com ele, no cemitério a meia noite ou em um bar a meia luz.
- Por que? Tem algum problema se for às claras, à luz do dia?
- Não, mas encontro de dia é com a avó, com a tia, com os pais... Se é com alguém que você já arrasta um bonde há maior tempão, melhor investir nisso. (risos)
- Eu o acho meio estranho, mas no fundo é um cara legal.
- O maior problema para mim hoje, a essa altura da minha vida é ter que procurar alguma coisa no fundo. Tem que estar na superfície. Nada de eu ter que mergulhar pra poder encontrar. Eu nem sei nadar.
- Mas amiga o que geralmente está boiando costuma não ser muito bom. Até polui e deixa a água proibida para banhos.
- Você viaja na maionese hein !
- Só estou sendo realista.
- Vi uma foto dele outro dia. Ele está com um corpão, nem parece aquele Cotonote que a gente conheceu. Marchar fez um bem danado pra ele. Tem até braço agora para fazer uma tatuagem. Naquele tempo só cabia a linha do Equador e olhe lá.
- (risos)
- Acho que não tenho muita confiança para marcar um encontro.
- (risos)
- Acho que passei dessa fase, devo estar ficando velha.
- (risos)
- Você está rindo do que?
- Desculpe amiga, mas não consigo parar de imaginar você sentada em uma lápide, a meia noite, esperando por ele em Sulacap. Ia assustar até os vigias.  Daria um bom enredo para um filme no estilo do José Mojica.
- Eu ia fazendo o tipo mulher misteriosa, de branco e enfiava logo uma aliança no dedo dele.
- Sei não amiga, acho que ele ia correr até o Oiapoque.
- Você sabe que sou de extremos. Quem vai até o Oiapoque, tem que ir também até o Chuí. Eu pego esse homem na curva. Não vai ter escapatória.
- Quer saber? Você está me assustando? Escreva uma carta.
- Vou escrever...

Cris M C Ramos
Trecho do livro "O primeiro beijo que você não me deu"

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Uma esmola grande demais...


E eu conheci o Klaus...
A gente se completava, sabe.

Em uma bela manhã ensolarada, ele me levou para conhecer a família. Pegamos a estrada cedinho em direção a São Lourenço, sem pausa para esticar as pernas.

Humor era algo que ele tinha em escassez enquanto eu tinha em excesso. Isso fazia com que o Klaus aparentasse ter mais idade do que ele realmente tinha. Era muito organizado para uma espécie masculina. Respeitador até demais sob todos os aspectos, inteligente, charmoso e rico. Reparava nos meus sapatos, nas minhas roupas, na cor do esmalte, sabia até o nome das cores. Sabia tudo sobre as grandes marcas e grifes famosas, apesar de ser veterinário.  Eu quase nem acreditava na minha sorte.


Cheguei a ter um sonho estranho sobre ele, melhor não comentar. Um pesadelo se fosse verdade. Não gosto nem de lembrar. Fico impressionada com sonhos, sempre acho que pode ser Deus falando comigo.

Enquanto ele dirigia, eu o olhava de vez em quando sem que percebesse. 


Eu gostava dele. Seu jeito meio carrancudo até que lhe dava certo charme e quando ele se permitia a um sorriso, era algo totalmente encantador. Rejuvenescia uns dez anos. Deveria sorrir mais vezes em minha opinião pra tirar um pouco desse ar de matador que ele tinha.


Chegamos à fazenda depois de horas na estrada. Saí do carro, dando uma rápida olhada no meu bumbum pra ver se ele ainda estava lá. Mais da

metade dele havia sumido. Fizemos somente uma parada e minha coluna gritava quando finalmente pude esticar as pernas ao sair daquele carro.

O pai de Klaus era alemão e a mãe descendente legítima de índios. Eu olhava para o meu futuro sogro e perguntava pra mim mesma, como esse homem teve a ousadia de estragar uma linhagem pura de brasileiros. Em minha mente eu questionava a minha futura sogra: “Não tinha um índio guerreiro, bonitão pra senhora casar não minha sogra? Tinha que ter arrumado um europeu bem branquelo?”


Eu entendia melhor o português do pai de Klaus do que o linguajar de sua mãe que falava rápido demais com um sotaque mineiro aborígene, se é que isso existe. Estou sendo gentil... Eu não compreendia nada do que a minha futura sogra falava. Então, eu me limitava a sorrir e a concordar com um aceno de cabeça.


Com relação a fazenda deles, era lindíssima.

Esqueci-me da vida diante dessa paisagem bucólica. Estava me sentindo dentro das figurinhas Bem me Quer, de Sarah Kay. Só olhando no Google as imagens pra entender do que estou falando.


Vendo todas aquelas terras comecei a conjecturar o porquê do Klaus nunca ter se casado. Ele era o que as mulheres considerariam como um bom partido. Moreno, alto, bonito e sensual... E rico! E solteiro! E pra mim!
Minha saudosa avó costumava dizer que quando a esmola era grande o santo desconfiava. Parando pra pensar em todos os atributos do Klaus, eu estava começando a desconfiar que algo devesse estar errado.

Será que ele foi um daqueles casos do cara que havia se decepcionado com um grande amor e resolveu se dedicar ao trabalho? Descobriu que bicho era melhor que gente e se afastou dos relacionamentos? Será que o Klaus era gay e de repente desistiu de ser quando me conheceu? Não, eu não tenho esse poder.
Será que ele havia feito uma dessas promessas malucas, sei lá, talvez uma promessa indígena de manter-se solteiro, até os quarenta anos? Talvez ele não gostasse de tomar banho?
Será que comia de colher ou com os dedos? Roncasse muito alto, gritava com voz fina quando via uma barata, deixava a pia do banheiro suja de meleca e pelos de barba... Talvez não tivesse pinto.

Lembrei-me de um pequeno texto que li outro dia que dizia assim: "E ele se pôs na varanda a admirar a lua cheia por um longo tempo. Parecia perdido em pensamentos, feliz pela sensação boa de amar e de ser amado. Pensava na sorte que teve em encontrá-la. Algo dentro dele dizia que dessa vez seria para sempre. Era amor! - Então, do outro lado da varanda, ela o observava de longe, pensativa: "Se ele começar a uivar, eu corro."

Acho que depois de tantas decepções amorosas, a gente vira gato escaldado e desconfia até da própria sombra. Todo mundo merece encontrar o amor.

Melhor deixar as desconfianças para lá e acreditar que havia chegado a minha vez de ser feliz ao lado de alguém com quem eu compartilharia a minha vida, os meus sonhos, os meus temores... Alguém pra envelhecer junto comigo e aquecer os meus pés nas noites de inverno fazendo com que eu aposentasse de vez as minhas meias do Pateta.

Cris M C Ramos
Trecho do livro O primeiro beijo que você não me deu



segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

Happy hour com as amigas e uma mensagem do Criador...


E a gente se vê de vez em quando. Não importa o dia da semana. A gente se encontra pra rir, para chorar as mazelas, comer, rir, desabafar,
rir, comer, comer e rir... Não necessariamente nessa ordem, sempre focadas na comida e nas gargalhadas, mas sem problemas depois com o espelho ou com a balança ordinária.

E foi em um desses encontros que Soraya Hellena, casada a vinte e cinco anos começou a falar mal de seu digníssimo marido. Não existia um lado dele que fosse bom, um pedacinho apenas. O que nos ver nutrir um ranço imediato pelo sujeito diante de nossa amiga, mas terminamos por rir disso também juntamente com a Soraya Hellena, porque no final, estávamos ali exatamente, naquele restaurante, para isso - rir de nervoso, rir de tristeza, rir de alegria, rir sem motivo e comer muito o que o estabelecimento nos oferecesse de melhor e que nunca comíamos ou bebíamos em casa.

Soraya Hellena entre uma gargalhada e outra denegria cada vez mais a imagem do marido, o colocando em uma posição de abaixo de titica dez graus, quando sem mais nem menos, uma amiga novata em nosso meio, bem séria, olhando-a nos olhos, disse:
- Amiga, estou vendo tudo. Chego a ficar arrepiada. Veja só! - e mostrou-nos os pelos dos braços ligeiramente levantados. - Deus é Deus de justiça. Se prepara que Ele vai levar seu marido.

Ficamos em silêncio, com a comida na garganta em uma espécie de limbo sem decidir se descia para o estômago ou se voltava para nos causar um engasgo daqueles em grupo.

Tentei mudar de assunto fazendo uma observação sobre a decoração do restaurante e o desenho na borda do prato. Rapidamente começamos a rir falando das péssimas combinações existentes por aí e da falta de noção de muitas pessoas, da elegância duvidosa da rainha da Inglaterra e das infinidades de estampas de cores no mundo inteiro.

Já era tarde quando saímos de lá prometendo nos encontrar no próximo mês.

Depois desse encontro, Soraya Hellena criou alma nova em seu casamento. Renovou os votos e viajou em segunda lua de mel para Lisboa.  Beijou o sapo e fez dele novamente um príncipe encantado, não sei se aproveitando os últimos dias que provavelmente restava ao marido ou com a esperança de que o Criador desistisse da ideia de levá-lo.

A gente até pensou em excluir a novata do nosso círculo de amigas, mas vai daí  que outra de nós precisasse de uma mensagem direta do Todo Poderoso nos intimando a parar de cuspir no prato em que se está comendo e acordar para o fato de que muitas mulheres, assim como eu, que não beijo na boca já faz o maior tempão, tem passado fome.

Cris M C Ramos
.
.
.
PS.: Quando tudo for realmente ruim e abusivo, é tempo de dar um basta. Não aceite! No mais, homem é assim, mulher é de outro jeito e viver sobre o mesmo teto é uma das maiores aventuras de um casal, sem contar a viagem fantástica ( no passado, presente e futuro) que é convivência com os filhos, onde a gente volta tudo de novo e revive cada ano escolar e se estuda para uma prova que não faremos.